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Duas passagens da Biblia - Mario Persona

Duas passagens - Mario Persona


https://youtu.be/XEewEuW9NLw

Duas passagens da Bíblia
Mario Persona

Existem duas passagens que eu acredito serem os textos mais lidos e repetidos de toda a Bíblia. Uma está no Antigo Testamento e outra no Novo Testamento e dificilmente encontraremos outras passagens tão bem conhecidas e repetidas quanto estas. A primeira é o Salmo 23, que encontramos em muitos lugares, em quadros, cartões e em Bíblias abertas para decoração. Onde existir uma Bíblia de decoração na sala ou no escritório, ela certamente estará aberta no Salmo 23, ou no Salmo 22 em algumas edições que usam outra numeração. Este Salmo é muito lido e há quem consiga recitá-lo de memória, pois traz uma mensagem que agrada a todos. A outra passagem está no Novo Testamento e até mais recitada que o Salmo 23. Refiro-me àquela que é conhecida como o “Pai Nosso”, transformada numa das orações mais repetidas do mundo. Mas vamos começar pelo Salmo 23:

“O Senhor é o meu pastor, nada me faltará. Deitar-me faz em verdes pastos, guia-me mansamente a águas tranquilas. Refrigera a minha alma; guia-me pelas veredas da justiça, por amor do seu nome. Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal algum, porque tu estás comigo; a tua vara e o teu cajado me consolam. Preparas uma mesa perante mim na presença dos meus inimigos, unges a minha cabeça com óleo, o meu cálice transborda. Certamente que a bondade e a misericórdia me seguirão todos os dias da minha vida; e habitarei na casa do Senhor por longos dias.” (Sl 23:1-6)

Quando lemos este Salmo costumamos saborear a frase ‘nada me faltará’, ao mesmo tempo em que passamos rápido pela afirmação ‘o Senhor é o meu Pastor’. A razão é que por natureza não queremos ter um pastor, alguém que seja nosso dono, nos aponte o caminho e insista para que andemos nele. Quando dizemos ‘o Senhor é o meu Pastor’, estamos nos sujeitando a alguém que vá à frente e cuide de nós, do mesmo modo como ele promete cuidar também das outras coisas que são mencionadas no mesmo Salmo. O que na verdade nós queremos é que ele cuide apenas de nossas necessidades e desejos, e não que se intrometa em nossa vida. Por isso este Salmo é mais popular pelo ‘nada me faltará’ do que pelo ‘o Senhor é o meu pastor’. Se na oração do ‘Pai Nosso’ pedimos o que necessitamos, o Salmo 23 pode ser visto como uma oração no sentido de uma afirmação dos benefícios dados por Deus.

Mas por que estou falando de um Salmo e do ‘Pai Nosso’, que são basicamente orações, quando deveria falar aqui do evangelho que são as boas novas de salvação? Faço isto para mostrar que milhões de pessoas no século vinte e um se ocupam da religião e da espiritualidade, ao contrário do que se previa há um ou dois séculos. Se antigamente os céticos apostavam que a tecnologia, a ciência e a evolução da sociedade levariam as pessoas a ficarem mais entendidas, racionais e, portanto, menos voltadas a assuntos espirituais, o que aconteceu foi exatamente o contrário. Estas duas passagens são uma prova disso com sua presença constante na vida diária das pessoas especialmente no ocidente.

Talvez você discorde, mas eu realmente acredito que as pessoas estejam se tornando cada vez mais místicas e voltadas para as coisas espirituais do que para as materiais. Por mais que o materialismo domine em grande parte a vida das pessoas, hoje dificilmente vemos um filme que não tenha uma pitada de misticismo e elementos do mundo espiritual. Até mesmo os games ou jogos eletrônicos trazem com frequência temas religiosos, sejam eles cristãos ou pagãos. Ora são povoados de personagens como vampiros e lobisomens derrotados por símbolos como a cruz, ora são batalhas travadas entre anjos, demônios, fadas e duendes. Quando uso o termo “religioso” ou “espiritual”, entenda que estou me referindo àquilo que não faz parte do mundo tangível, físico e material, desta esfera visível na qual vivemos. É um engano pensar que as pessoas estejam se tornando mais céticas. Evidentemente muitos se denominam ateus, mas mesmo estes precisam ter muita fé para viver sua crença, e vivem ocupados com a religião que parecem sentir uma necessidade fisiológica de combatê-la.

Enquanto escrevo, a lista dos livros mais vendidos da semana da revista Veja traz, em primeiro lugar, um livro chamado A Cabana, que é uma alegoria sobre a Trindade. Repare que o tema é essencialmente religioso e voltado para aquilo que é comumente chamado de espiritualidade. Na lista dos livros de não ficção ou baseados em fatos reais, em segundo lugar aparece Comer, Rezar e Amar. Mais uma vez temos o espiritualismo na lista dos mais vendidos. Na lista de livros de autoajuda, O monge e o Executivo aparece em quarto lugar, mas já esteve em primeiro. Outro livro repleto de elementos religiosos apresentados sob o pretexto de ensinar conceitos empresariais. Nem preciso mencionar os livros explicitamente espíritas e religiosos que aparecem em diferentes posições na lista dos mais vendidos. Como interpretar isso? Ora, o mundo está buscando cada vez mais coisas que vão além da esfera material na qual vivemos.

Pense no interesse que existe hoje por práticas como meditação transcendental, yoga e artes marciais, todas elas recheadas de elementos espiritualistas. E também existem as drogas. O que são elas senão uma fuga da realidade tangível? Algumas são utilizadas regularmente em religiões cujos adeptos acreditam que os alucinógenos ajudam a alcançar níveis de consciência mais elevados e a entrar em contato com o além. Eles buscam nessas experiências uma resposta para a necessidade que todo ser humano tem de estar em contato com o mundo espiritual.

Tudo isso demonstra que existe um vazio em nós, uma espécie de saudade de um Shangri-La perdido ou de algum lugar maravilhoso ao qual gostaríamos de voltar. Isto é encontrado em todas as culturas, não apenas no cristianismo, islamismo ou judaísmo, que são apenas algumas das principais vertentes religiosas no mundo. Em todas as religiões as pessoas buscam um contato com o mundo espiritual, e a forma mais popularmente aceita e conhecida para isso é a oração. Orações, rezas ou preces são utilizadas por pessoas que desejam se comunicar com entidades do mundo espiritual, sejam elas chamadas de Deus, Alá, anjos, santos, espíritos ou qualquer outro nome. O objetivo é buscar contato com alguém que não seja de carne e ossos ou limitado à matéria.

O Salmo 23 é, portanto, uma oração cujo roteiro começa aqui na terra e segue em direção ao céu. O texto começa falando de verdes pastos, de águas tranquilas, de refrigério, de veredas e de caminhos. Encontramos nele uma descrição de como Deus guia, aqueles que estão sujeitos ao Pastor, por veredas de justiça e por amor de seu nome. O que significa a expressão “por amor do seu nome”? Reputação. Deus tem uma reputação a zelar e sente-se na obrigação de cuidar daqueles que são seus, as ovelhas que o Pastor pastoreia, por isso cumpre sua tarefa “por amor do seu nome”. O Salmo continua dizendo que “ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal algum, porque tu estás comigo; a tua vara e o teu cajado me consolam. Preparas uma mesa perante mim na presença dos meus inimigos, unges a minha cabeça com óleo, o meu cálice transborda”.

Cálice nos fala de vinho, e outro Salmo diz que o vinho “alegra o coração do homem” (Sl 104:15). Portanto, um cálice que transborda fala de uma alegria que somos incapazes de conter. O Salmo 23 descreve assim os imensos benefícios de se estar sob os cuidados do Pastor, mas tudo isso enquanto ainda caminhamos no mundo, onde há verdes pastos, águas tranquilas, caminhos e veredas. Todas estas coisas pertencem à terra e o cuidado do Pastor para com suas ovelhas também aparece ali limitado a este planeta.

Porém, o Salmo termina com a expressão “habitarei na casa do Senhor por longos dias”, apontando assim um destino eterno. Começa na terra e no tempo e aponta para a eternidade. O que foge à maioria das pessoas que lê este Salmo é que sua ênfase não está no transitório “nada me faltará”, mas na realidade eterna da “casa do Senhor” que é aonde o Pastor quer levar o seu rebanho. Por que será que as pessoas gostam tanto de se concentrar nos verdes pastos e águas tranquilas da jornada transitória e não atentam para a eternidade que é prometida no final?

As duas coisas mais importantes neste Salmo são, primeiro, ter o Senhor como Pastor, como dono da ovelha, como aquele que é seguido e a quem eu e você devemos seguir; segundo, o destino da ovelha, que é a casa do Senhor. Entre uma coisa e outra está o capim dos verdes pastos e as águas tranquilas. Por incrível que pareça, a maioria das pessoas está tão preocupada com o capim e com a água que não dá a devida atenção ao Pastor e nem ao destino eterno que ele oferece no final. Mas antes que você possa se apoderar das promessas do Salmo 23 será preciso ter recebido os benefícios do sacrifício descrito no Salmo 22. Ali vemos a crucificação de Jesus sendo prevista mil anos antes de acontecer.

O Salmo 22 começa com um homem bradando “Deus meu, Deus meu por que me desamparaste?”. Este é o brado de um homem sedento, que tem suas mãos e pés traspassados por pregos e está crucificado entre malfeitores enquanto suas vestes são sorteadas pelos que o cercam. Esta é uma descrição extremamente gráfica do que aconteceria só mil anos mais tarde com a crucificação de Jesus do lado de fora da cidade de Jerusalém. Antes de alguém usufruir dos benefícios terrenos e do destino celestial oferecidos no Salmo 23 -- antes de poder dizer com certeza “o Senhor é o meu Pastor, nada me faltará” -- é preciso crer nele como seu Salvador, como aquele que morreu na cruz do Calvário. Em suma, para que as promessas do Salmo 23 sejam válidas é preciso que você tenha passado pelo Salmo 22, o Salmo da crucificação.

Vamos nos ocupar agora com a outra passagem que está entre as mais conhecidas da Bíblia: a oração do Pai Nosso. Você a encontra no capítulo 6 de Mateus, versículo 9, começando com estas palavras; “Portanto vós orareis assim…”. Entendemos que foi assim que Jesus ensinou os seus discípulos a orar, mas eu pergunto: Será que alguém precisaria aprender a orar? Será que orar não seria apenas e tão somente falar com Deus, contar nossas dificuldades, pedir o que precisamos e interceder por outros que estejam passando por dificuldades? Não é assim que deveríamos orar? Bem, se Jesus decidiu que era preciso ensinar como orar, acredito que podemos aprender lições preciosas com esta passagem.

Se o Salmo 23 começa na terra e termina na casa de Deus, a oração do Pai Nosso começa no céu e termina trazendo benefícios para aqueles que estão na terra. No Salmo 23 Deus é chamado de Senhor -- ou Jeová no original -- aqui ele é chamado de “Pai Nosso que estás nos céus”. Que mudança foi essa e como ela ocorreu? O que teria acontecido entre o Salmo 23, escrito há mais de três mil anos, e este momento nos evangelhos mil anos mais tarde, quando Deus passa a ser chamado de Pai?

É importante observar que Jesus foi o primeiro na Bíblia a chamar a Deus de Pai, um escândalo para os religiosos de sua época que interpretaram isso como uma afirmação de igualdade com Deus, ou pelo menos de um parentesco que ninguém poderia alegar ter. Se você for a uma sinagoga, jamais deve chamar a Deus de Pai, e nem pense em fazer isso numa mesquita muçulmana. No islamismo é inconcebível alguém se dirigir a Deus como Pai. É considerado falta de respeito, uma intimidade que não cabe ao homem. Então, por que Jesus teria chamado a Deus de Pai?

Primeiro, por ele ser o Filho Eterno de Deus, ao contrário de todos nós que fomos criados no momento da nossa concepção no ventre de nossa mãe. Eu e você não existíamos antes de sermos concebidos. Mas Jesus nunca foi criado, pois é Deus, uma Pessoa da Trindade, o Filho Eterno que veio ao mundo. Vir ao mundo é diferente de meramente nascer no mundo. Quando a Bíblia diz que Jesus veio ao mundo isto não significa simplesmente que ele nasceu aqui, mas que tinha preexistência antes de ter sido concebido pelo Espírito Santo no ventre de Maria virgem e nascer em forma humana. Sua relação de filiação com o Pai é anterior à sua vinda ao mundo e existe antes da criação do tempo. E nós, podemos chamar a Deus de Pai?

Como eu já disse ao comentar o Salmo 23, não são todos que podem chamar a Deus de “meu Pastor”, pois estamos mais interessados no “nada me faltará” do que no “o Senhor é meu Pastor”. Estamos, por natureza, mais interessados nos benefícios do que nas responsabilidades; em termos aquilo que desejamos para levar a vida do modo como queremos, do que em alguém que dirija nossa vida do jeito que ele quer. Nós naturalmente fugimos do “o Senhor é o meu Pastor” e nos agarramos no “nada me faltará”. E quando chegamos à passagem do “Pai Nosso”, nós a repetimos como se fosse um mantra recitado por um pagão.

Muitos repetem continuamente o “Pai Nosso” como se fosse uma palavra mágica -- um Abrakadabra das lendas árabes ou um Shazan! das histórias em quadrinhos -- que dá poder, abre portas ou garante proteção. Mas será que foi isso que Jesus quis nos ensinar? Aparentemente o fato de precisarmos aprender a orar mostra que existe certa dificuldade de nossa parte em nos dirigirmos a Deus. Portanto é bom entendermos os fundamentos que regem a oração ensinada por Jesus para entendermos que não se trata de coisa banal.

É simples, por exemplo, pregar o evangelho. Posso fazer isso durante uma hora sem me cansar. Mas tente orar durante uma hora e três minutos depois você já estará pensando em outra coisa ou até já se esqueceu do motivo de sua oração. Não é assim que acontece? Dificilmente alguém que faça um discurso de uma hora irá se esquecer do que falava três minutos após ter começado a falar. Mas isto é comum na oração, quando nos dirigimos a Deus, e é por isso que ele estabeleceu fundamentos para a oração; é por isso que os discípulos pediram e Jesus achou por bem ensiná-los a orar.

Veja, por exemplo, a palavra que dá início à oração: “Pai”. Será que podemos chamar a Deus de Pai? Podemos, mas com uma condição. Não podemos chamar a Deus de Pai simplesmente por termos sido criados por ele. Muitos costumam dizer que são filhos de Deus baseando-se apenas no fato de terem sido criados por ele, mas não é bem assim. As baratas também foram criadas por Deus, mas será que elas poderiam se considerar filhas de Deus e chamá-lo Pai? Não! A condição de filhos é algo que Deus estabeleceu a partir do Novo Testamento. Nós não encontramos tal coisa no Antigo Testamento, e nem sequer o Salmo 23 diz “o Senhor é o meu Pai”. Ser filho é um privilégio elevadíssimo e não uma condição recebida automaticamente por todos os seres criados, sejam eles homens ou baratas.

Quando eu era criança meu pai costumava me dizer: “Se um dia estivermos caminhando à beira de um rio e eu cair na água, não tente me salvar. Não pule na água atrás de mim”. Essa ordem ele dava sempre que estávamos perto de um rio, lago ou na praia. “Se eu estiver me afogando não tente me salvar”, repetia ele. Aí eu perguntava: “E se eu estiver me afogando?”. A resposta era: “Neste caso vou pular para salvar você”. Ele se colocava sempre no lugar de alguém capaz de dar a sua vida por mim, mas eu não podia dar minha vida por ele. Aquilo me ensinou que a condição de um pai em relação ao filho é algo importante e vital. O pai constrói algo pensando no filho, abre mão de confortos e deixa para ele tudo o que tem como herança. É uma relação muito diferente daquela existente entre um objeto e seu criador.

O fato de não sermos um objeto ou uma barata não muda em nada a realidade de que somos meras criaturas. Para entender melhor vamos dar uma olhada na passagem no capítulo 1 do Evangelho de João, versículo 11, onde o apóstolo fala de Jesus como aquele que “veio para o que era seu e os seus não o receberam”. Neste ponto ele está se referindo ao povo de Israel, o povo de propriedade de Deus, mas se continuarmos lendo iremos ver que “a todos quantos o receberam” -- isto é, que receberam Jesus -- “deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, aos que creem no Seu nome.”. Então, para deixar claro que o simples fato de nascer neste mundo não nos dá o direito de sermos filhos de Deus, o apóstolo João explica quem são estes que creem no nome de Jesus: “Os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do varão, mas de Deus”. João nos fala aqui de um novo nascimento, de uma transformação sobrenatural que acontece com aqueles que recebem a Jesus. Só assim alguém recebe o poder de se tornar filho de Deus.

O fato de que é preciso poder para alguém se tornar um filho de Deus mostra que não se trata de algo simples. É algo complexo que não vem de nós, pois envolve o poder de Deus em transformar alguém em seu filho. Não se trata de um nascimento natural, pois os filhos de Deus “não nasceram do sangue”. Ninguém é filho de Deus por ter nascido de outro ser humano que já era filho de Deus. Além de não ser um nascimento de uma descendência natural, também não é “da vontade da carne”. Ninguém se torna filho de Deus por seu próprio desejo, por seu querer, por seu esforço, e nem pela vontade de homem algum. “Nem da vontade do varão”. Só é possível se tornar filho de Deus pela vontade de Deus.

Mas em que se baseia essa transição? Como alguém pode receber esse poder que faz da pessoa um filho de Deus? A resposta pode estar na carta de Paulo aos Gálatas, capítulo 4, versículos 4 ao 6: “Mas vindo a plenitude dos tempos -- e aqui podemos pensar em quando os tempos já estavam maduros como uma fruta pronta para ser colhida -- “Deus enviou o Seu Filho, nascido de mulher” -- como um bebê --, “nascido sob a lei” -- a lei do Antigo Testamento -- “para remir” -- ou resgatar, livrar -- “os que estavam debaixo da lei, a fim de recebermos a adoção de filhos” -- o que significa uma nova posição, como filhos por adoção -- “e porque sois filhos Deus enviou aos nossos corações o Espírito de Seu Filho que clama: Aba, Pai.”

Tendo sido feitos filhos de Deus, ele coloca em cada um dos que receberam a Jesus o Espírito de Deus, o mesmo Espírito de seu Filho, conforme é mostrado neste versículo, tornando esses aptos a clamarem: “Aba, Pai”. Uma pessoa que recebe a Jesus não recebe só a Jesus, mas passa a ter também o direito que Jesus tinha de chamar a Deus de Pai, com a diferença de que ele sempre foi o Filho Eterno de Deus e os que creem em Jesus são filhos de Deus por adoção, participantes de uma mesma herança.

Dentro da legislação brasileira isso é chamado de adoção plena. Você pode adotar uma criança, mas essa criança continua com o nome dela e o sobrenome dos pais anteriores quando não for uma adoção plena. No caso de uma adoção plena é possível trocar o nome da criança e no processo fica registrado que aquela criança passará a ser chamada pelo seu novo nome, ganhando assim uma nova certidão de nascimento. Se na certidão anterior apareciam os pais e avós biológicos, na nova certidão aparecem os nomes de seus novos pais e avós. A criança passa a fazer parte da árvore genealógica de sua nova família. No processo o juiz faz uma anotação proibindo qualquer um de trazer à tona a identidade anterior da criança. Trata-se de uma vida totalmente nova, legalmente falando, mas nas coisas de Deus a vida é realmente nova porque Deus coloca vida nova naquele que crê em Jesus e o transforma em uma nova criatura. Não pela vontade do homem, nem do sangue, nem do varão, mas de Deus, que agora dá a ele a mesma posição que Cristo desfruta diante do Pai, tornando esse novo filho herdeiro de todas as coisas juntamente com Cristo. Que bendita posição!

Continuando em nosso capítulo de Gálatas, vemos que “porque sois filhos, Deus enviou aos nossos corações o Espírito de Seu Filho que clama: Aba, Pai. Assim que já não és mais servo, mas filho; e, se és filho, és também herdeiro de Deus por Cristo”. Trata-se de uma tremenda mudança de posição, pois “quando não conhecíeis a Deus servíeis aos que por natureza não são deuses” (Gl 4:8). Mudamos de posição, mudamos de família, mudamos de origem e passamos a ser herdeiros juntamente com Cristo. Existe uma diferença entre você ter um pai e ter um patrão. O filho obedece ao pai, procura fazer o que o pai quer, mas não para receber o direito de ser filho; não para merecer a herança. A herança é naturalmente dos filhos. O Pai tem uma relação familiar com o filho, mas a relação de um patrão com seu empregado é completamente diferente.

Quando trabalhamos para alguém a relação está baseada no princípio da obediência. Enquanto eu fizer o que o patrão mandar, ele me dará o que mereço, mas no dia em que eu parar de obedecer suas ordens ele me demite, pois trata-se de uma relação na qual eu tenho a obrigação de obedecer e ele tem a obrigação de me pagar. Mas não é assim a relação entre um pai e um filho. O filho não tem obrigações para com o pai, pois foi o pai quem o trouxe ao mundo e por mais desobediente que seja, o pai não poderá “demiti-lo” dessa relação. Ele pode até disciplinar o filho, ficar desgostoso com ele, suspender sua mesada, mas ele continuará sendo filho.

Na relação para com Deus ensinada pela maioria das religiões o que se busca não é um Deus Pai, mas um Deus patrão. Dentro do conceito popularmente aceito de religião, de que os que forem bons vão para o céu, a relação criada é de patrão-empregado e até mesmo as duas passagens que estamos tratando precisariam ter uma redação diferente. Algo como,  “o Senhor é meu patrão e nada me faltará”, para o Salmo 23, e “Patrão nosso que estás no céu”, para Mateus 6. Sim, pois se a relação for do tipo “Se eu fizer tudo direitinho ele vai me dar tudo o que quero e preciso”, fica claro que estamos falando de uma relação entre um empregado e um patrão.

Mas não é assim que nos fala o Salmo 23, na relação do Pastor com a ovelha, e principalmente Mateus 6, na relação entre o Pai e seu filho. “Pai nosso que estás no céu, santificado seja o Teu nome, venha o teu reino, seja feita a tua vontade assim na terra como no céu.” (Mt 6:9-10). Só por eu ter sido feito filho, não por mérito, mas por graça, é que posso me dirigir a Deus nestes termos, como um filho se dirigiria ao seu pai, e não como um empregado falando ao seu patrão. Depois de chamá-lo de Pai, graças ao poder que recebi no novo nascimento, posso louvá-lo com um“santificado seja o teu nome”. Também posso expressar meu desejo de que tudo o que for da vontade dele no céu seja válido também aqui na terra. Isto inclui desejar que a vontade dele seja soberana em minha vida aqui.

Veja agora o contraste no modo como normalmente as pessoas buscam a Deus. Elas se dirigem a ele com algo como: “Senhor... o que tenho que fazer? Ah... tenho que ir à igreja? Então eu vou à igreja. Tenho que ler a Bíblia? Então vou ler a Bíblia. Tenho que ajudar os pobres? Vou fazer bastante caridade. Tenho que evitar pecar, matar, roubar, adulterar? Vou fazer assim. Pronto, já fiz tudo isso e agora? Cadê minha recompensa, Senhor?”. Mas veja que esta é uma relação de empregado, não de filho. O empregado é quem trabalha tendo em vista o pagamento ou recompensa. No protótipo de oração que Jesus ensinou tudo começa com a afirmação de um relacionamento entre Pai e filho e com a adoração a Deus, reconhecendo quem ele é e principalmente podendo chamá-lo de meu Pai.

Agora eu pergunto: Como poderia Deus ter transformado simples criaturas, como são as baratas ou os elefantes, em filhos seus? Ele só podia fazer isso se fosse resolvida a questão do pecado, pois o ser humano, obviamente, não foi criado em um nível equiparável ao das baratas, apesar das religiões reencarnacionistas acreditarem que sim. O ser humano foi criado em uma condição muito mais nobre, recebeu de Deus o seu sopro, todavia caiu em pecado, afastando-se de Deus. Ainda no Jardim do Éden ele decidiu que não iria querer dizer o Senhor é meu Pastor. Ele quis ser o seu próprio pastor, depois de seduzido pela promessa de Satanás travestido de serpente, que disse a Eva: “Deus sabe que no dia em que dele comerdes se vos abrirão os olhos e, como Deus, sereis conhecedores do bem e do mal.” (Gn 3:5). A serpente falava da única ordem que Deus havia dado a Adão e Eva, para que comessem de tudo, exceto do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal. Mas a mentira do diabo era tentadora. “Ser como Deus?! Quer dizer que eu não vou mais ter um Pastor para me dirigir? Não mais um Senhor para mandar em mim?! Eu vou ser meu próprio deus? Então eu quero!”. E foi aí que o ser humano caiu.

Aquele pecado criou um abismo entre Deus e os seres humanos. A partir daquele momento o homem era uma criatura caída, arruinada, e se você duvida disso abra o jornal de hoje, o de ontem e o de amanhã. Todos os dias os jornais trazem a prova de que nós somos criaturas caídas, que este mundo é uma bagunça e confusão de crimes, guerras e perversidades mil. O homem faz coisas que nem os animais são capazes de fazer. Aquele que foi criado como a coroa da criação, o melhor dentre todas as criaturas, a coisa mais elaborada que Deus criou, é hoje muito pior que os animais em termos de crueldade. Veja até onde desceu o ser humano. Veja até onde chegamos eu e você.

A solução de Deus para o pecado do homem foi enviar Jesus ao mundo. O Filho de Deus veio em carne, assumiu a forma de servo em semelhança de homem e foi até a cruz. É disso que fala o Salmo 22, onde nós o vemos na cruz e abandonado por Deus. A cruz descrita no Salmo 22 é a mesma cruz que mil anos depois aparece nos evangelhos, onde o brado profético finalmente sai da garganta daquele “Homem de dores e que sabe o que é padecer” (Is 53:3): “Deus meu, Deus meu porque me desamparaste?” (Sl 22:1; Mt 27:46; Mc 15:34). Depois de ter sido açoitado e espancado por suas próprias criaturas, Jesus ficou durante três horas pregado na cruz recebendo todo tipo de ofensa e injúria que poderia sair do coração humano, o mesmo coração que é capaz de coisas que nem os animais são. Ali ele foi abandonado pelos homens, inclusive por seus discípulos. Os homens tiveram de abandoná-lo porque ele era o Homem perfeito, e a perfeição não é bem vinda em meio à ruína e imperfeição. “E a luz resplandece nas trevas, e as trevas não a compreenderam.” (Jo 1:5). “Porque todo aquele que faz o mal odeia a luz, e não vem para a luz, para que as suas obras não sejam reprovadas.” (Jo 3:20).

Nenhum de nós gosta de viver perto de alguém perfeito, pois sua perfeição revela nossas imperfeições por contraste, do mesmo modo como a luz revela a sujeira. Se eu colocar uma folha de papel contra a uma parede branca, a parede fica bege, porque a folha tem um padrão de branco melhor do que o da parede. Numa floresta, se você levantar uma pedra logo verá escorpiões, aranhas e lacraias. O que fazem esses insetos peçonhentos ao serem banhados pela luz? Correm se esconder sob outra pedra para não ficarem expostos. De maneira semelhante, quando Cristo estava no mundo a sua mera presença incomodava as pessoas, que decidiram se livrar dele por não poderem conviver com tamanha perfeição, com um Homem perfeito.

Mas depois daquelas três primeiras horas em que Jesus experimentou a rejeição e o escárnio dos homens, vieram mais três horas, as mais terríveis, quando trevas desceram sobre a terra e ele precisou experimentar algo que em toda a eternidade jamais havia experimentado: o abandono de Deus. Se nas primeiras três horas os homens o abandonaram por serem incapazes de conviver com tamanha perfeição, nas três horas seguintes Deus o abandonou por não poder se relacionar com o pecado em que Jesus tinha sido transformado e com os pecados que levava sobre si. Não eram pecados dele, mas dos que seriam salvos por ele. Foi apenas nas três últimas horas, de trevas, juízo e rejeição da parte de Deus, que Jesus pagou o preço da nossa redenção.

Quando uma pessoa crê em Jesus como Salvador e o confessa como seu Senhor -- e só quando isso acontece -- ela passa a ter o direito e poder de chamar o Senhor de “meu Pastor”. Agora sim ela tem um Pastor e vai poder usufruir do seu cuidado enquanto atravessa este mundo cheio de perigos. Ela precisará do Pastor para defendê-la dos inimigos de sua alma, irá precisar de alimento, água, refrigério e de um caminho claro, o qual será indicado pela Palavra do próprio Pastor. Mesmo que ela venha a morrer, pois estará sujeita a isto, seu destino certo é a casa de Deus. Do mesmo modo, somente aqueles que creem em Jesus como Salvador poderão orar chamando a Deus de “Pai”. Não estarão mais na condição de empregados que fazem tarefas para depois cobrar o patrão pelo pagamento a que têm direito. “Senhor, eu já fiz tudo... Agora eu quero, como pagamento, isso, aquilo e mais aquilo outro...”. Não, de modo algum. Se fôssemos salvos como recompensa pelas coisas que fizéssemos nossa salvação seria baseada em mérito e transformaríamos Deus em nosso devedor tão logo tivéssemos cumprido com nossas obrigações. “Senhor, andei direito do jeito que o Senhor mandou eu andar, obedeci aos teus mandamentos, agora o Senhor me deve a salvação eterna...”. Você consegue enxergar o absurdo de uma situação assim?

Não é pelo que fazemos, mas é pelo que Cristo fez que sou salvo. Cristo pagou por todos os meus pecados na cruz e agora sou eu o devedor, devo a Deus a minha vida, a vida eterna. Considerando que eu a recebi como um ato de graça e misericórdia e Deus nada pediu em troca, o que posso fazer? Só agradecer! Servi-lo agora, mas um serviço de gratidão. Fazer as coisas que agradam a ele, não para receber algo em troca como se estivesse barganhando com Deus, mas porque eu recebi tudo, a salvação em Cristo e fui feito, por Deus, herdeiro com ele de “todas as bênçãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo” (Ef 1:3).

Espero que você não enxergue a Deus como seu patrão, mas se ainda o enxerga assim é urgente que você creia em Jesus como o seu Salvador para você ter o direito e privilégio de chamar a Deus de Pai. Algo que só aqueles que o receberam tem o direito e poder de fazê-lo, pois também são chamados de filhos de Deus pelo próprio Senhor , que também os chama de “irmãos”, como fez quando pediu a Maria Madalena que fosse avisar os outros discípulos que ele tinha ressuscitado. “Disse-lhe Jesus: Não me detenhas, porque ainda não subi para meu Pai, mas vai para meus irmãos, e dize-lhes que eu subo para meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus.” (Jo 20:17).